-É rei e é estrela de quinta grandeza. É rei, mas é menino. Retrucava mariazinha com seu avô, que achava muita graça das intermináveis histórias da menina.
-É rei poderoso e imortal, levará cinco bilhões de anos para morrer então pra mim é imortal. E têm luz e calor pra manter vivo todo esses treco que respira aqui na terra e nos outros planetas, se vida houver por lá.
-É sua espertinha, o sol é rei. Ilumina nossos dias, esquenta nossos corações, é pontual e solícito, não nos deixa faltar luz e calor, que alimenta os vegetais, que alimenta os animais que por sua vez nos alimentam. Fora sua indiscutível importância para a manutenção da vida, o sol ainda nos presenteia com sua maravilhosa poesia, todos os dias ao nascer e ao se pôr. O sol colore o céu de singulares matizes e ímpares melodias, tons, formas, texturas, transformando o horizonte em festa panteônica de um deus só, ele mesmo, o inigualável, o rei, o Sol.
-É vô, mas eu já disse que é menino, é rei mas é menino.
-E porque o seria Mariazinha?
-Fecha os olhos e ouve.
-Não ouço nada criança.
-Você não tá fazendo direito, só ouve.
-Você está superestimando um ouvido velho e cansado, não ouço nada além da brisa e das ondas do mar.
- Tarde demais, ele já foi, feliz e maroto como sempre.
-Quem?
-O sol, todos os dias antes de ir embora, ele sorri. Uma risada tão peralta e gostosa que eu poderia jurar que as estrelas menores, suas súditas, estão por ali a fazer cócegas no rei.
-Quanta bobagem Mariazinha.
-Só porque você não consegue ouvir é bobagem vô?
-Não, não é. Eu tô quase surdo, não consigo ouvir a risada do rei.
-Mas não precisa de ouvido pra isso, eu ouço com o coração. Amanhã você tenta ouvir, e se não conseguir tenta no dia seguinte, e no seguinte e no seguinte até convencer o sol de que o seu coração é quente e bom osuficiente para entrar em sintonia com o seu maravilhoso riso.
E assim o fez. Velho, cansado e doente, o tempo não fora generoso com este senhor, mas todos os dias ele esperava, e tentava, fechava os olhos pra ouvir e nada.
É menino, é rei mas é menino, estas palavras dançavam em sua cabeça. Acomodado na sua cadeira de balanço da varanda, a brisa acariciando o rosto cansado e senil e os olhos fixos no mar e no sol que ia caindo lentamente ao seu encontro, lembrou-se ainda mais uma vez das palavras de Mariazinha: é menino, é rei mas é menino. E o silencio da tarde foi interrompido pelas gargalhadas da pequena Maria que vinha tropeçando nas pernas, rindo-se loucamente, carregando uma tigela de milho duro e seguida de uma pequena multidão de patos e galinhas. Caiu na terra semi-molhada, virando uma mistura de lama, cabelo, sorrisos e milho. Os animais catando grão a grão e a pequena rindo, rindo alto, rindo longe, como se ouvira piada engraça demais.
É rei mais é menino, e o velho cansado e feliz fechou os olhos e ouviu pela primeira vez o riso do rei, era alto e gostoso, ritmado e soluçante. Queria abrir os olhos e ver a neta brincando com os bichos no chão, mas adormeceu, ouvindo o encantador riso do sol. Foi o último som que ouviu na vida.