quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Sobras

Não aquela de resto, mas a sobra do excesso.


O que já não me servia era levado
Presenteado a outras de menos posses
Que passeavam ligeiras a nova roupa
O cabelo crespo, solto, revolto
Em original liberdade do pentear
Eu com o meu cabelo uniforme, preso
Em intermináveis tranças de menina cuidada
Me sentia igualmente livre quando as vezes
Traquinamente arrancava as minhas fitas
O vestido florido do ano passado
Vestia-se de nova primavera
Cobrindo corpos sonhadores
Pequenos, magros, frágeis
O sapato pequenino piamente polido
Machucavam pés que já não eram meus
Os brinquedos menos preferidos
Esses não eram levados
Mas a minha inocência de saber que o meu pouco
Era muito por companhia
Fazia me dá-los de boa vontade
Lembro-me das bonecas que partiam
-Foram à Paris diziam
As recalcadas que ficavam
O tecido roubado da caixinha
Pedaços de linha e pontinhos de sangue
Nos dedos traquinos e habilidosos de tear
Produzindo vestidos de festa e todo tipo de remendo
Às bonecas, peças dos melhores sonhos de infância
E se ainda hoje recordo-me do não ter muito
E ainda assim ter tudo aos olhos de quem pouco tinha
Também recordo-me das preces de noites e dias
Em que a um certo pai do céu pedia
- “ Que nunca me sobre,
Para que a outro não falte”
Amém!

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Fotografias

Revirando a velha gaveta, bagunça, lembranças
Encontrei a minha vida impressa em ”Glossy paper”
Fotografias recortadas, poesias rabiscadas, discos
Fotos dos fatos e sorrisos felizes de uma vida inteira
Encontrei o sorriso empoeirado do primeiro amor
Recordei o amigo simples de sorriso fácil que se foi
Da atriz que escolheu papel de pouco brilho viver
Da menina virgem de olhos acesos e sutis abraços
Da dedicada amiga que nunca negou combro
De uma pilha de imagens e sonhos que nunca realizei
Da mulher de pouco seio e muita petulância
Da felicidade e do adeus à inesquecível infância
Das tardes produtivas de livros e amigos na praia
E dos por de sóis eternizados em fotografias
Contabilizei dias e dias, retratando a felicidade sóbria
Da embriaguez coletiva retratei os meios e os fins
Lembrei-me também da menina de medos de escuro
Mas esta eu não relembrei porque de fato nunca esqueci
Fotografias são peças de quebra-cabeças de vida
Vida, fato, dia, noite, inteira, meia, longa, toda a vida
Aprisionei instantes de pura felicidade e outros tantos
De felicidade nem tão pura, nem tão pouca
Só felicidade, mas tive a fineza e inocência de capturar
A contra gosto de sábios, momentos de tristeza bela
A lágrima de outrora parece menos quente e menos densa
Bem como a beleza dos pequenos seios anunciando fertilidade
Por favor, fotografem a menina de medos de escuro
Porque a farei partir logo que achar meios para tal
Fechei a gaveta com sua poeira e velharias
Mas a ausência de luz não apaga lembranças
Mas a ausência de luz não apaga seus medos
Por favor, fotografem-na mais uma vez
Ensaiarei o melhor sorriso.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Poeta Eu?

Não serei o poeta de um mundo caduco.
(Carlos Drummond de Andrade)
   

Hoje me descobri poeta de fases
Meditava em ser ou não ser
Poeticamente meditava pois,
Poetar é mais que escrever poesias
O poeta é a poesia viva e física
Entre indagações de ser e estar
Titubeei em definir-me poeta
Entretanto a poesia escrita na face
Na veia, no sangue, na pele, no ar
Fez-me entender que respiro poesia
Eu penso poesia, escrevo poesia, falo
Poesia de vestir, de pintar e de amar
Dei-me conta inclusive que brigo poesia
Insulto em poesia, peço em poesia
Eu sou poesia em forma de menina
Poesia em cachos, sorrisos e olhares
Eu sou poeta-poetisa, poetador
Poetisa eu? Eu, eu-poesia.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Piccolo poema della solitudine

Era sabato, sabato sera e fuori ancora nevicava
La mia pelle fredda e triste, la mia anima tremava
Attraverso la finestra, la solitudine bianca di giorni freddi
E l'unico suono che sentiva è il fuoco vivo nel camino
Il silenzio inquietante di nostalgia che fa male al cuore
La solitudine, la lettera non inviata e il telefono
Dormo per sognare com il sole accogliente de estate
Quando trovo là fuori persone che non conoscono
Le persone che non sanno sorridere, mà sono persone
E in qualche modo, freddo e senza amore
Farmi dimenticare da piccoli momenti
Il peso della solitudine fredda dei miei giorni.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Latim

Latim, tempo bom esse em que estudava latim
A infância, cansada de tanta coisa, dando adeus
O mesmo adeus cínico de ex-namorados que se amam
Sim as declinações, amat quem pather nostrum?
Só aprendi latim por que me mandaram
Mas descobri de fato que palavras têm raízes
E que nascem, crescem, reproduzem, mas não morrem
Por que ficam memorizadas no “Ab aeterno” das nossas memórias.

domingo, 4 de setembro de 2011

Pretensões

A palavra usada como arma de ferir o ar
Meio insosso de espalhar a ventos de norte
Idéias absurdas e platonicidades de um ser
Mesquinhez de espírito fugacidade do querer
Colorir telas inexistentes e sabores amargos
Que nunca presenteado foi a ninguém
Mais um, mas uns, gritos de virilidade
Porta entre aberta é convite ou não?
O grito desesperado à multidão iludida
EU, tenho sou posso fiz ganhei ensinei
E todos os verbos em primeira pessoa
E do outro lado do rio uma criança chora
Com cacos de vidro nas mãos desejando paz
Absolvição de si própria pela dor fútil
Que a carne trêmula e voluptuosa infringiu
A noite se foi, mas não levou consigo a escuridão
Dias que durou uma única noite que ainda não acordou
Prefiro acreditar que é a falta de luz que não te deixa ver
Que um circo é mais bonito sem bestas-feras
Que comece o show, pois o palhaço terminou seu roteiro
E a criança com seus vidros e sua dor veio lhe prestigiar
Mais um, mas uns silêncios incompreendidos
Entre o gozar e o amar encontraria um mar de porquês
Mas o gozo veio enfim dias depois com palhaço de maior preço
Mais um, mais uns reflexos turvos no espelho
A sonoridade da pretensão é harmônica
Encontrar em palavras alheias a vida e o amor que nunca tivera
Porque tem ego ferido de viajante solitário, Infante renegado
Incompreendido de fato ou complexado por essência?
Não, não escuto a sonoridade do seu barquinho
Navegando por águas rasas para não afundar no abismo da normalidade
Deus, uma criança em porta de circo
Engolindo vidros por mero descuido
Como saber que a insanidade a tomou
Se ela não fala e você não escuta?
Mas as palavras pulsantes em vazios de embriaguez
São memórias apagadas de um gozar egoísta
O ego grosseiro nublando o discernimento
O sorriso amarelo que subjugas também está no teu rosto
A inquietude, o incômodo da presença muda é fato
Fotografia de uma vergonha que não emana da carne em si
Mas dos murmúrios levianos que ecoam espaços vãos
Sobre a criança, seus sorrisos, sua quietude e seus vidros
Não, esta criança não ama ninguém
Porque lhe sobram palavras e planos
Falta espaço para amor e até mesmo o ódio incitado em si morreu
No coração da criança inventada que morre e mata por um amor sujo
Mas como amar desprezível Ser que inventa ser o que nunca foi?
Que as cortinas do circo se fechem, preciso de novo roteiro
Trabalhar com mentiras é mais fácil, mas faíscas também queimam
Como cansar do que nunca teve?
Como falar de amor se nunca amou?
Como falar de beleza se o olho duro, envidrado só enxerga a sua falsa paz
Mais um, mais uns gritos desesperados
E se cremos de fato que palavra é poder
Permito-me presentear à criança de garganta estilhaçada
Toda calma que houver nessa vida, e mais um pouco por garantia
Ao palhaço de palavras artistas o sentimento mais cristão que houver
Que é também nota musical
Mais um, mais uns personagens bem sucedidos
Rochedo também esfacela contra o mar de fantasias
Ainda que leve uma vida inteira, todo personagem um dia morre
E os murmúrios levianos, enterre-os com ele
E os enganos tempestuosos enterre-os com ele
E o amor que você nunca terá porque sequer existiu
Esse não enterre, continue alimentando-se dele
Pois te rende ótimas poesias
Liberdade é vento de fim de tarde
Ainda vejo o seu barquinho afundando aos poucos
No lago fúnebre da sua solidão
E do outro lado do rio uma criança chora
Com cacos de vidro nas mãos desejando paz
Absolvição de si própria pela dor fútil
Que a carne trêmula e voluptuosa infringiu
E como provar que o sorriso é triste?
Há muito de calma no coração de uma criança.