quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Chegou a hora de apagar a velhinha!


Crispim era um menino muito sabido e muito levado. Adorava brincar na rua com os amigos, ainda mais com sua melhor amiga Alice.
Adorava estar com a galera principalmente quando era aniversário de alguém, por que tinha certeza de que todos estariam lá.
E foi exatamente numa festa na casa de um dos seus amiguinhos que começou toda a confusão. Era o aniversário de dona Zefa, a avó de Alice, uma velhinha muito simpática que se dava bem com todas as crianças da rua. Ela costumava contar histórias para os amigos da sua neta. Toda a criançada vinha correndo sentar na varanda quando à tarde, ela saia com seu livro de histórias na mão.
Alice havia contado a Crispim que viu seus pais conversarem que levariam sua avó para um lugar melhor por que ela estava reclamando muito.
Ele ficou meio confuso, porque sempre conversava com Dona Zefa e ela dizia para ele que nasceu naquela casa e queria morrer ali mesmo. Ela nasceu no quarto da mãe que agora era o seu quarto e esperava morrer lá, tranquila e dormindo. Coisa estranha para se dizer a uma criança, mas ela falava com tanta naturalidade que não causava nenhuma estranheza a nenhum dos seus pequenos ouvintes.
Crispim tinha muito apreço àquela gentil senhora. Além de toda a criançada, quase toda a rua estava presente na sua festa e grande foi a surpresa de Crispim quando todos cantaram em coro: - Chegou a hora de apagar a velhinha, vamos cantar aquela musiquinha! E nesse exato momento dona Zefa começou a chorar e saiu da sala antes que a música terminasse.
Crispim ficou muito confuso com toda aquela situação. Porque os próprios filhos queriam levá-la para um lugar melhor e porque todo mundo queria apagar a velhinha? Se ela era tão saudável e tão gente boa, que morresse então de causa natural, não se deve tirar a vida de alguém assim, foi Deus quem nos deu a vida e por tanto só ele pode tirar.
Crispim subiu até o quarto de Dona Zefa, ela estava sentada na cama arrumando o cabelo e já não chorava mais. Ele falou a ela que queria mostrar-lhe algo, sabia que se contasse a verdade ela não acreditaria tão facilmente. Enquanto ela prendia as alpercatas no pé ele colocou dois vestidos dela num saco plástico e o seu livro de histórias, é claro.
Saíram pelos fundos de fininho, Dona Zefa não sabia para onde estava sendo levada, mas gostou da sensação de estar fazendo uma travessura. Crispim a levou para a casa da árvore que ficava nos fundos da sua casa.
-Vamos Dona Zefa sobe ai, essa será a sua nova casa, não vou deixar ninguém apagar a senhora. -Como assim Crispim?
-Eu ouvi, ou melhor, Alice ouviu sua filha dizendo que ia levar a senhora para um lugar melhor, eu sei que o céu é maravilhoso mas não há coisa melhor do que estar perto de quem agente ama e hoje todo mundo disse que ia apagar a senhora, as pessoas deviam ter vergonha de maltratar uma pessoa tão boazinha, eu sei que a senhora ficou com medo e começou a chorar, mas não se preocupe, eu vou esconder a senhora aqui na minha casa e não vou deixar matarem a senhora não.
Crispim abraçou aquela mulher ternamente, ela retribui, mas não conseguiu segurar o riso por muito tempo. A velhinha perdeu a compostura, caiu numa gargalhada incontrolável, Crispim a olhava sem nada entender.
Senta aqui meu filho, deixa eu te explicar algumas coisas, o que a minha filha estava dizendo é que ia me levar a um cabeleireiro melhor, por que hoje quando fui arrumar o cabelo para a festa e o atendimento não foi muito bom e eu resmunguei a tarde toda.
- Mas por que disseram que chegou a hora de apagar a senhora?
- Ninguém disso isso meu bem.
- Disseram sim hoje na hora da festa, - chegou a hora de apagar a velhinha – e ainda disseram isso rindo e batendo palma.
Dona Zefa demorou um pouco a compreender a situação, mas quando caiu em si, novamente se desmanchou em gargalhadas e mal conseguia respirar para explicar ao garoto.
-Faz parte da música meu filho, - chegou a hora de apagar a velinha, vamos cantar aquela musiquinha, parabéns pra você, parabéns pra você, pelo seu aniversário.
-E porque a senhora estava chorando se eles iam apagar a velinha e não a senhora?
- Eu sempre me emociono nos meus aniversários.
E novamente caiu em riso, Crispim na inocência dos seus quatro anos de vida também demorou a entender o que ocorreu, mas Dona Zefa lhe disse que todos cometem erros, ele só ouviu errado.
Crispim abaixou a cabeça envergonhado.
Me desculpa ter tirado a senhora da sua festa, eu pensei que estava ajudando.
-E ajudou, eu tive a noite mais legal da minha vida, nunca fugi de casa para ir morar numa casa de árvore, obrigada.
Crispim sorriu aliviado.
- Bom já que não vão apagar a senhora vamos voltar para a festa antes que Alice coma todos os brigadeiros.
Vamos sim, mas antes que tal uma história especial, só para você.
-Só para mim? Que maravilha.
- Era uma vez...