quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Chegou a hora de apagar a velhinha!


Crispim era um menino muito sabido e muito levado. Adorava brincar na rua com os amigos, ainda mais com sua melhor amiga Alice.
Adorava estar com a galera principalmente quando era aniversário de alguém, por que tinha certeza de que todos estariam lá.
E foi exatamente numa festa na casa de um dos seus amiguinhos que começou toda a confusão. Era o aniversário de dona Zefa, a avó de Alice, uma velhinha muito simpática que se dava bem com todas as crianças da rua. Ela costumava contar histórias para os amigos da sua neta. Toda a criançada vinha correndo sentar na varanda quando à tarde, ela saia com seu livro de histórias na mão.
Alice havia contado a Crispim que viu seus pais conversarem que levariam sua avó para um lugar melhor por que ela estava reclamando muito.
Ele ficou meio confuso, porque sempre conversava com Dona Zefa e ela dizia para ele que nasceu naquela casa e queria morrer ali mesmo. Ela nasceu no quarto da mãe que agora era o seu quarto e esperava morrer lá, tranquila e dormindo. Coisa estranha para se dizer a uma criança, mas ela falava com tanta naturalidade que não causava nenhuma estranheza a nenhum dos seus pequenos ouvintes.
Crispim tinha muito apreço àquela gentil senhora. Além de toda a criançada, quase toda a rua estava presente na sua festa e grande foi a surpresa de Crispim quando todos cantaram em coro: - Chegou a hora de apagar a velhinha, vamos cantar aquela musiquinha! E nesse exato momento dona Zefa começou a chorar e saiu da sala antes que a música terminasse.
Crispim ficou muito confuso com toda aquela situação. Porque os próprios filhos queriam levá-la para um lugar melhor e porque todo mundo queria apagar a velhinha? Se ela era tão saudável e tão gente boa, que morresse então de causa natural, não se deve tirar a vida de alguém assim, foi Deus quem nos deu a vida e por tanto só ele pode tirar.
Crispim subiu até o quarto de Dona Zefa, ela estava sentada na cama arrumando o cabelo e já não chorava mais. Ele falou a ela que queria mostrar-lhe algo, sabia que se contasse a verdade ela não acreditaria tão facilmente. Enquanto ela prendia as alpercatas no pé ele colocou dois vestidos dela num saco plástico e o seu livro de histórias, é claro.
Saíram pelos fundos de fininho, Dona Zefa não sabia para onde estava sendo levada, mas gostou da sensação de estar fazendo uma travessura. Crispim a levou para a casa da árvore que ficava nos fundos da sua casa.
-Vamos Dona Zefa sobe ai, essa será a sua nova casa, não vou deixar ninguém apagar a senhora. -Como assim Crispim?
-Eu ouvi, ou melhor, Alice ouviu sua filha dizendo que ia levar a senhora para um lugar melhor, eu sei que o céu é maravilhoso mas não há coisa melhor do que estar perto de quem agente ama e hoje todo mundo disse que ia apagar a senhora, as pessoas deviam ter vergonha de maltratar uma pessoa tão boazinha, eu sei que a senhora ficou com medo e começou a chorar, mas não se preocupe, eu vou esconder a senhora aqui na minha casa e não vou deixar matarem a senhora não.
Crispim abraçou aquela mulher ternamente, ela retribui, mas não conseguiu segurar o riso por muito tempo. A velhinha perdeu a compostura, caiu numa gargalhada incontrolável, Crispim a olhava sem nada entender.
Senta aqui meu filho, deixa eu te explicar algumas coisas, o que a minha filha estava dizendo é que ia me levar a um cabeleireiro melhor, por que hoje quando fui arrumar o cabelo para a festa e o atendimento não foi muito bom e eu resmunguei a tarde toda.
- Mas por que disseram que chegou a hora de apagar a senhora?
- Ninguém disso isso meu bem.
- Disseram sim hoje na hora da festa, - chegou a hora de apagar a velhinha – e ainda disseram isso rindo e batendo palma.
Dona Zefa demorou um pouco a compreender a situação, mas quando caiu em si, novamente se desmanchou em gargalhadas e mal conseguia respirar para explicar ao garoto.
-Faz parte da música meu filho, - chegou a hora de apagar a velinha, vamos cantar aquela musiquinha, parabéns pra você, parabéns pra você, pelo seu aniversário.
-E porque a senhora estava chorando se eles iam apagar a velinha e não a senhora?
- Eu sempre me emociono nos meus aniversários.
E novamente caiu em riso, Crispim na inocência dos seus quatro anos de vida também demorou a entender o que ocorreu, mas Dona Zefa lhe disse que todos cometem erros, ele só ouviu errado.
Crispim abaixou a cabeça envergonhado.
Me desculpa ter tirado a senhora da sua festa, eu pensei que estava ajudando.
-E ajudou, eu tive a noite mais legal da minha vida, nunca fugi de casa para ir morar numa casa de árvore, obrigada.
Crispim sorriu aliviado.
- Bom já que não vão apagar a senhora vamos voltar para a festa antes que Alice coma todos os brigadeiros.
Vamos sim, mas antes que tal uma história especial, só para você.
-Só para mim? Que maravilha.
- Era uma vez...

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Carta para um tal Lucas


Muitas pessoas, de todos as culturas, lugares e épocas têm a péssima mania de generalizar as coisas e as outras pessoas. Ao que não nos parece interessante temos o maravilhoso dom de nomear inútil, falso ou dissimulado. Ao que não somos capazes de entender, simplesmente nos referimos como coisas desnecessárias.
Sempre fui meio cismada com essas pessoas céticas e generalizadoras, até que um por conta do maravilhoso trânsito da Avenida Águia Real, fui obrigada a ouvir um discurso em praça pública ministrado por um tal Lucas, discurso este ao qual ele intitulou “Minhas meditações ecológicas”. Concordei em parte com o que foi dito, e posto que foi um discurso rápido e que eu ainda estava esperando num banco traseiro de táxi o trânsito andar, fiquei ainda um certo tempo olhando o coreto da praça enquanto as pessoas se dispersavam.
Tentei não ligar para o teor do discurso, afinal devia ser só mais um maluco crendo que suas idéias são verossímeis e universais, mas tenho na pele a inquietude dos novos e como não o conhecia para falar-lhe pessoalmente, decidi escrever-lhe uma carta. Comecei. Caro Lucas, não, caro não, Lucas, afinal não o conheço. Vou começar em outra folha.

Lucas,
Escrevo por dois motivos, o primeiro é para dizer-lhe que admirei a sua coragem de falar em praça pública e a um público considerável a sua opinião, opinião esta sobre os “Admiradores da natureza”, jamais teria coragem de fazer algo assim. O segundo motivo é para dizer que a sua opinião sobre os “Admiradores da natureza” está um pouco equivocada. Se eu não teria coragem de gritar em praça pública, menos ainda teria se eu gritasse sobre tal assunto generalizando-o, englobando a todos. Me admirou o fato de ninguém haver discordado de você ou lhe jogado uma latinha de refrigerante nas fuças. Dado que nem ao menos nos conhecemos deixe-me explicar. Sou uma Amante da natureza, e posso lhe mostrar o quão superficial foi o seu discurso.
Não há para mim nada mais agradável que deitar num leito de rio com os pés na lama fresca da beira, acompanhar cada metamorfose de uma nuvem acinzentada lá no alto, que num eterno namoro com o vento, vai e vem tomando formas indecifráveis. Já se deu conta de que se tirar fotos de uma cachoeira nunca terá uma foto igual à outra ou sequer semelhante? Porque a cada segundo o volume da queda d'água muda, e o modo como a luz do sol atinge a água e as suas gotas e vapor cria um maravilhoso prisma colorido. Uma montanha é só uma montanha, mas sentar-se no alto de uma delas e lembrar o quanto foi divertido chegar até lá em cima é uma coisa indescritível, porque encontra-se muita coisa pelo caminho; pedras exóticas, répteis anti-social, flores que apesar de estar num ambiente por vezes isolados e aparentemente tristes, parecem sorrir e gabar-se da sua coloração perfeita. Ah Lucas, acho que você nunca teve sensibilidade para perceber essas peculiaridades da natureza, é preciso ter olhos, ouvidos e o coração treinados e acima de tudo crer que as coisas mais simples são as mais complexas e maravilhosas possíveis. Concordo plenamente com você, o pôr-do-sol é a coisa mais repetida imaginável, afinal todos os dias o sol nasce e se põe, nasce e se põe, nasce e se põe, mas você já parou o seu mundo para ver um pôr-do-sol? Não, aposto que não, afinal você também é um intelectual e aposto que têm sempre um pensamento, uma leitura ou escrita pendentes. Todos os dias o sol se põe, todos os dias, mas não da mesma forma. Para começar, o pôr-do-sol é normalmente mais brilhante que o nascer do sol, por que os raios avermelhados e alaranjados são mais vibrantes. O que será observado depende também das peculiaridades geográficas do local de onde se observa o fenômeno, e como a luz do sol sofre um desvio ocasionado pela atmosfera, o sol pode ser visto mesmo depois de estar posto, além de parecer maior no horizonte devido à distorção da luz solar criada pela atmosfera. Acontece algo semelhante com a lua. A duração de cada pôr-do-sol varia de acordo com a época do ano. Já ouviu a palavra solstício? Há épocas do ano em que o pôr-do-sol dura mais ou menos e isso varia de hemisfério a hemisfério. É bem verdade que ao ver um pôr-do-sol os poetas e enamorados pensam em amores e poesias, mas são flashes, que somem ao primeiro raio de sol que muda de cor. Caro Lucas, depois de tantas explicações me permito chamar-lhe 'caro', é bem certo que nem todos que param embasbacados em frente a um elemento da natureza percebe suas peculiaridades e tampouco a saboreia de forma descompromissada como eu. Mas há de concordar comigo que boa parte dos “Amantes da natureza” sabem o que fazem.
Espero que entenda ou ao menos respeite o meu ponto de vista.

Atenciosamente, Caroline.
Não o conhecia, tampouco conhecia alguém que o conhecia. Não tinha como lhe entregar a carta. Decidi publicá-la no jornal da cidade intitulado Intelectos & Manchetes, pois tinha quase certeza de que este jornal era lido por todos os intelectuais, artistas, pseudo intelectuais, pseudo artistas e gente rica da cidade, em alguma dessas denominações ele se encaixaria com certeza.
Esperei semanas e não obtive resposta desse tal Lucas, mas como também havia publicado junto à carta meu endereço para contato, recebi algumas cartas de outros “Amantes da natureza” com relatos de aventuras e experiências naturalescas. Uma mais incrível que a outra e de fato eu tinha razão, os que me responderam eram intelectuais, artistas, pseudo intelectuais, pseudo artistas e gente rica da cidade. Oh meu caro Lucas, mais uma vez estás enganado, intelectuais também sabem sorver a essência da natureza e o prazer visual das coisas aparentemente imutáveis.
As cartas cessaram depois de alguns meses e grande foi a minha surpresa ao me ver novamente na mesma situação, estagnada no trânsito caótico da Avenida Águia Real, olhei para fora da janela do táxi e havia uma pequena multidão em volta do coreto. Pensei que poderia ser o tal Lucas, precisava falar com ele, pedir explicações. Não hesitei, paguei e sai do táxi cortando a multidão, subi ao coreto e dei de cara com nada. Pensei que novamente o encontraria ali discursando e falando sobre suas idéias. Mas não havia ninguém ali, só eu, um coreto com eco e uma multidão que agora me olhava como quem espera algo. Gelei. Fiquei pálida. Suei. Não sabia o que fazer. Foi como se as pessoas ao redor que ali estavam antes reunidas ao redor de nada, somente conversando e ocupando espaço, agora me cercassem obstruindo a escada, único lugar por onde eu poderia fugir. Respirei fundo e comecei a falar, falei sobre as minhas meditações ecológicas, mas não as intitulei dessa maneira, não dei título ao discurso, simplesmente falei. Falei sobre o prazer das coisas simples, das coisas pequenas, dos insetos que nos fazem rir com seu comportamento engraçado. Discursei sobre a carta que escrevi a Lucas na verdade, discursei sobre muita coisa, mas discursei principalmente sobre o fazer por prazer, o prazer de não fazer nada e sobre o som das chuvas que às vezes parece canção de ninar. Me calei. E o meu silêncio foi interrompido pelo som de palmas. Eu agradeci e pedi passagem entre as pessoas porque não me agrada essa coisa de tietismo, gosto quando sou ouvida, mas prefiro ficar invisível. Me lembro que após o discurso de Lucas não houve palmas, talvez não tenham concordado com ele, mas não contestaram também. Voltei ao táxi, que continuava no mesmo lugar. Parecia estar me esperando porque assim que eu entrei, o trânsito começou a fluir. Voltei a receber cartas depois desse dia, mas não voltei a respondê-las, Lucas nunca me respondeu, tive vontade de escrevê-lo novamente, não o fiz, mas ensaiei algumas vezes.


Caro Lucas,

Esqueci de dizer-lhe, sou uma intelectual.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Cores da saudade

Deitou-se na grama e olhou para o céu como quem olha para nada. Lembrou-se da professora falando sobre a arbitrariedade das palavras, sobre o real significado das coisas e sobre nossa percepção sobre eles.
Riu-se das formigas caminhando sobre seus pés, até uma delas lhe picar. Praguejou um pouco e foi para a aula.
O tema ainda era o mesmo. Melissa enrolava um tufinho de cabelo nos dedos enquanto olhava o céu pela janela, quando foi surpreendida pela pergunta: Você sabe o que é saudade Melissa? Assustou-se com a professora em pé ao seu lado?
-Sei sim senhora, é sentir falta de algo.
-E se você sente falta da comida é saudade?
-Pode ser fome, mas também pode ser saudade, vontade, desejo de grávida, pode ser tanta coisa. E fez cara de pouco caso.
A professora continuou discursando sobre a polissemia das coisas e palavras, enquanto Melissa, novamente com um tufinho de cabelo enrolado no dedo, agora olhava para dentro de si.
Pensava em algo tão importante que nem mesmo o barulho das pessoas saindo da sala de aula interrompeu seu pensamento, até que uma mão quente tocou seu ombro nú e picado de formigas.
- A aula acabou minha querida e a prova é semana que vem, tem que prestar mais atenção na aula.
Melissa sorriu para a professora com um ar de meninice próprio dos apaixonados e saiu correndo desajeitada, se batendo pelas cadeiras.
Pelo caminho olhava as pessoas na rua e sorria para elas, em troca de caras feias e algumas de surpresa.
Chegou em casa e encontrou mais flores, daquelas roubadas em jardins, do jeito que ela gostava e um bilhetinho rabiscado numa notinha de supermercado.
Deitou-se na cama e tentou estudar um pouco, mas o telefone vermelho ao lado da cama parecia tentador. Pegou-o, discou números aparentemente intermináveis e trocou juras de amor no telefone até adormecer com o telefone entre os braços.
Falava com seu namorado, estava definitivamente apaixonada. Mas ele havia viajado pela manhã e ela já anciava sua volta. Foi visitar a mãe doente em Londres e voltaria no fim de semana.
Terça-feira, Melissa levantou sorridente como todos os dias. Desejou bom dia a sua mãezinha que saia as pressas a trabalhar. Fez coraçõeszinhos no prato com pedaços de fruta enquanto enrolava um tufinho de cabelo na mão.
E seguiu a sua rotina juvenil enquanto esperava anciosamente a volta dele.
Sábado,sem aula, sem deveres de casa e o telefone não toca. Em casa de Dona Vera ninguém atende, será que a coitada piorou?
Domingo, dia típico de maresia, sem aula, sem deveres, nada presta na tv. Os amigos de Melissa estavam na praia, mas ela não podia ir. Deveria estar estudando para a prova de terça-feira. À noite, depois de tanto perambular pela casa e quintal, Melissa dormiu, os olhos cansados do vermelho do telefone.
A rua dorme, a cidade dorme, o telefone chama.
- Alô meu bem? a minha mãe piorou, está na UTI, não sei quando volto. Te amo, me espera, preciso desligar, o médico chegou, tu tu tu tu.
Melissa tentou fazer de conta que era um pesadelo, sentiu-se mal. Estava triste. Sua querida amiga Dona Vera estava moribunda, e seu melhor amigo e amante estav triste e sozinho. Sentiu vergonha de querê-lo perto de si enquanto a mãe dele perecia num leito de hospital, mas não conseguia parar de sentir aquele vazio dentro de si.
Andou um pouco pela casa, foi parar na cama da mãe, lá pelas tantas da madrugada e entre braços aconchegantes e um beijo na testa, dormiu enfim.
Não acordou a tempo de ir para a faculdade, passou o dia como passou a noite, perambulando pela casa feito morta.
Nunca havia ficado tanto tempo longe dele, estava tão acustumada aos passeios na praia, as flores roubadas dos canteiros, as noites gostosas em que dormia em seu peito. Sentia falta principalmente de ouvir - está tudo bem Mel, eu tô aqui com você, dorme meu amor. Era o que ouvia sempre que tinha pesadelos.
Sua mãe chegou e a encontrou prostada no sofá, a tv chiava, mal dava para enxergar o que passava. As janelas abertas, o vento entrando sem ser convidado e derrubando meio mundo de coisas. Melissa trajava a sua camisola favorita, e apesar de já estar na hora de dormir, sua mãe teve certeza que aquela roupa, aquela cara e aquele cabelo despenteado, era o mesmo de ontem.
Está tudo bem filha? Melissa balançou a cabeça, abraçou a mãe e foi para o quarto tentou adormecer, mas o barulho que o seu estômago fazia era alto demais. Ficou acordada até que o seu estômago cansou de reclamar, fechou os olhos enfim, mas seu espírito dormia a tempo.
No dia seguinte foi acordada pela mãe, o café estava na mesa, roupa limpa na cadeira e mochila arrumada.
Não queria comer, alegou estar atrasada para a prova. Estranhamente a sua mãe não estava atrasada para o trabalho e resolveu levá-la a faculdade, mas só depois do café.
Tentou comer, mas sua garganta estava estreita, um grão de cereal parecia o monte Everest descendo garganta abaixo, bebeu leite, dois, três, quatro copos e um iorgute para satisfazer a mãe.
Foi calado por todo o caminho, levava fones no ouvido mas não escutava nada. Só queria estar calada. E estranhamente sua mãe percebeu e aceitou, conhecia a filha como ninguém. Sabia o quanto ela amava aquelas pessoas.
Despediu-se da mãe com um beijo, um sorriso forçado e um olhar triste. A prova começaria em meia hora.
Deitou-se na grama para olhar as nuvens, as formigas não pareciam engraçadas agora e nem as sucessivas picadas fizeram Melissa despertam do transe em que se encontrava.
Uma nuvem passava no céu, muito familiar. Lembou-se daquele fim de tarde na praia, os cabelos mergulhados na areia separados apenas por um braço em seu pescoço, o sol brincando de esconder com a lua e a maré indo e voltando, indo e voltando.
- Veja Mel é uma borboleta.
- Onde?
-No céu, uma nuvem muito linda.
E de repente a grama pareceu braço de mãe, virou para o lado. Se encolheu tentando recolher-se dentro de si, talvez como uma borboleta num casulo. Olhou novamente para o céu esperando que ela já tivesse batido asas, mas ela inda estava lá, linda e branca.
Melissa sentiu como se fosse arrebentar a garganta, respirou fundo e antes que percebesse estava soluçando e chorando feito criança.
Lembrou-se de Dona Vera, lembrou-se da mãe que chegou atrasada para cuidar dela, lembrou-se das flores, lembrou-se dos beijos, lembrou-se do colo. Suspirou um nome em voz quase impercepitível. Chorou até quando pôde, sentiu a garganta abrir para deixar o ar passar, posto que seu nariz estava obstruído.
Chorou pensando nele e descobriu enfim o porque não estava bem. Lembrou-se da prova, estava atrasada. Tentou enxugar o rosto na camiseta preta, saiu largando coisas pelo chão.
Entrou na sala de cabeça baixa, a professora ia repreendê-la pelo atraso quando viu seu rosto inchado de choro, perguntou o que houve. Sem esboçar qualquer sentimento respondeu em voz quase muda.
- Aprendi o significado da palavra saudade.
Pegou um papel qualquer na mesa, talvez fosse a prova. Sentou-se num canto da sala. Ouviu a professora falar qualquer coisa, talvez instruções da prova.
Melissa enrolava um tufinho de cabelo na mão enquanto a brisa tentava inutilmente secar as lágrimas do teu rosto.
E uma borboleta ainda a olhava do céu.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

A dama da praia


Eu ia à praia todas as sextas. Como é certo que o sol nasce todos os dias é certo também que eu estaria lá caso alguém me procurasse.
Me encantava aquele pôr-do-sol, a praia do ouro era como se fosse a minha casa e aquele cantinho em especial, aquelas pedras amontoadas num desenho perfeito, como se fossem esculpidas à mão, era como se fosse o meu quarto.
Apesar de estar lá impreterivelmente todas as sextas-feiras, às vezes também ao sábados e domingos, ninguém me conhecia. Seria estranho se alguém fosse a uma praia onde todos lhe conhecessem, mas se tratando de mim eu esperava que alguém me visse e pensasse, -olha aquela menina que está aqui todas as vezes que venho à praia- e ao menos acenasse pra mim. Me conhecendo como conheço, sei que faria pouco caso e me limitaria a responder com um sorriso amarelo bem ao modo das pessoas tímidas, mas isso não acontecia.
Ademais do maravilhoso pôr-do-sol e do mar limpíssimo e esverdeado, outra coisa que eu não cansava de admirar era uma moça que as vezes aparecia por lá, creio que também ia ver o pôr-do-sol.
Era linda e majestosa, caminhava como uma rainha, às vezes parecia que deslizava na areia, como o vestido cobria o seu pé e não tinha como ter certeza se realmente caminhava, eu gostava de imaginar que ela de fato flutuava sobre a areia e isso a deixava, aos meus olhos, ainda mais bela. Usava um vestido branco, tinha os cabelos longos e encaracolados sempre soltos a brincar com a brisa que passava de quando em quando, mas ela também não acenava para mim.
Depois que o sol sumia no horizonte eu ainda caminhava um longo tempo pela areia, ao passo que a noite chegava sorrateira a praia ia ficando deserta e eu me sentia como o único ser vivo ali, me sentia a dona da praia e isso me fazia bem.
Minha mãe sempre perguntava para onde eu ia todas as sextas depois da aula porque sempre chegava tarde, eu respondia que ficava na biblioteca revisando os assuntos da semana para ela não se preocupar com o fato de eu vagar pela praia deserta noite à dentro. Ela retrucava um pouco, mas com o tempo deixou de me dar broncas, tinha a impressão que tinha se esquecido de mim, assim como a galera da faculdade que deixou de me dar bom dia ou boa tarde. Até mesmo porque eu sempre distraída, quase nunca respondia.
Certo dia ao dormir, sonhei com aquela moça linda lá da praia, acordei sorrindo e decidi que da próxima vez que a visse iria acenar para ela, fazer uma nova amizade quem sabe.
A sexta chegou e eu fui ver o meu rotineiro pôr-do-sol, mas ela não apareceu.
Na segunda-feira de manhã deu no noticiário que teríamos naquela noite a lua mais bonita do ano, eu como apreciadora de todos os fenômenos da natureza decidi que ia fugir a regra e iria ver o crepúsculo e a lua na segunda-feira mesmo, se eu esperasse até a sexta não seria mais lua cheia.
Naquela tarde a praia estava tranquila, tinha um tradicional aroma de cansaço e maresia da segunda-feira. O sol se pôs tão lentamente que eu mal podia acreditar, estava tão radiante que parecia sorrir - que maluquice a minha, o sol não pode sorrir, ele não tem dentes- e após rir da minha própria asneira eu me deixei envolver pelo clima de malemolência e acabei adormecendo ali mesmo na pedra.
Não dormi por muito tempo, acordei pouco tempo depois com uma brisa fina que levantou a barra do meu vestido, me estiquei preguiçosamente, abri os olhos devagar e quando dei pela situação mal pude acreditar que eu adormeci na praia. Fiquei embasbacada quando levantei os olhos e vi aquela maravilha no céu, a lua enorme e brilhante, parecia tão perto da terra. Tinha a impressão que se me esticasse na ponta dos pés daria para tocá-la, mal pudia acreditar. Mirei-a por quase uma hora. Quando meu pescoço enfim começou a doer de tanto olhar para cima, foi como se tivesse vindo de outra realidade, olhei em volta, a praia vazia; só havia eu, a lua e o mar salpicado pelo seu brilho.
Levantei para ir embora e quase morri ao olhar para o lado e ver aquela moça a pouca distância da pedra onde eu estava. Escorreguei com o susto, mas antes de dar com a cabeça na pedra e provavelmente morrer com o coco partido, sua mão suave me segurou pela cintura, me carregou com muita facilidade e me pôs de pé na areia.
Eu estava sem voz, sem ar e só conseguia pensar - será que ela estava ai há muito tempo? Será que ela estava me vigiando? Como ela chegou perto tão rápido? Como ela conseguiu me segurar como a quem segura a uma pluma? E antes que eu pudesse perguntar qualquer coisa, ela sorriu pra mim, o sorriso que eu esperava há muito tempo, um sorriso tão lindo e tão brilhante; me desarmou completamente, e todas as perguntas que pipocavam em minha cabeça desapareceram.
- Me desculpa se te assustei, ela disse sem desarmar aquele sorriso.
-Não se preocupe só estava distraída.
- Está muito tarde para uma menina sair sozinha por aí, venha vou te levar até a sua casa.
Caminhamos pela praia sem dizer uma palavra, eu estava meio sem jeito pela cara que fiz ao vê-la, mas ao mesmo tempo estava feliz por não está indo para casa só.
Na porta da minha casa ela me deixou e não disse uma palavra sequer, passou a mão pelo meu cabelo e me deu um beijo na testa, eu agradeci a companhia e entrei correndo em casa, dei boa noite a minha mãe que estava na sala, mas ela não respondeu.
Demorei a dormir, fiquei ainda um tempo olhando a lua cheia pela janela do meu quarto, depois fui para a cama e fiquei pensando em tudo e em todos; adormeci.
O dia seguinte era terça-feira e ainda era lua cheia, mas eu não podia ir à praia de novo minha mãe indagaria demais, por outro lado eu precisava ver aquela moça, falar com ela quiçá saber um pouco sobre ela, não podia esperar até sexta.
Sentei na pedra e fiquei admirando o vai e vem das pessoas, era como se ninguém percebesse uma menina sentada sozinha na pedra com muitos livros ao lado, eu me sentia invisível.
O sol começou a se pôr e eu me esqueci de tudo ao redor, deitei na pedra, mas bastante apreensiva para não cochilar e antes que o sol sumisse no horizonte uma mão quente alisou o meu rosto. Assustada levantei, desajeitada escorreguei na pedra e machuquei o braço, a mão e o joelho.
Me deu vontade de chorar, mas antes que eu pudesse abrir o berreiro, a mesma mão que me assustou me ajudou a levantar.
- Desculpa mais uma vez, tenho a péssima mania de ser silenciosa, juro que não queria assustar você.
Mas desta vez eu fiquei calada, só conseguia olhar para o sangue escorrendo do meu joelho e tentava a todo custo não chorar, não queria parecer boba na frente dela.
Eu me levantei com esforço, ela foi até a beira do mar e com as mãos em concha trouxe um pouco de água salgada para lavar os meus ferimentos, recuei com medo de que doesse, mas como que se ela lesse meus pensamentos falou, - não se preocupe não vai doer. E de fato não doeu logo esqueci que estava machucada, me distraí vendo o sol sumir no horizonte enfim, todos os dias era como se fosse a primeira vez.
- Seus olhos sempre brilham quando você está aqui nessa pedra vendo o pôr-do-sol.
-Como assim sempre? Você só me viu duas vezes.
- Está enganada, te conheço desde que era menina, assim como você, venho aqui nesta praia ver o sol se pôr a muito tempo.
- Eu sempre te vejo passar, mas só te reparei aqui há pouco tempo.
- Eu sei, as pessoas têm o péssimo hábito de não me notar, mas eu já não me importo mais.
- Estranho, uma mulher tão bonita quanto você as pessoas notariam.
- As pessoas são displicentes, sei que você me entende.
- Vou para casa tenho muita lição.
- Vem aqui amanhã?
- Não sei se posso vir com tanta frequência, minha mãe pode proibir, não quero briga com ela, agente mal tem se falado.
Ela desarmou aquele maravilhoso sorriso e pôs na cara um olhar triste, senti naquela moça o mesmo que eu sinto quando não quero ficar só e reorganizei as palavras.
- Vou tentar vir amanhã, você vem aqui todos os dias?
- Sim. Todos os dias venho passear na praia, até mesmo em dias de chuva, seja dia ou noite, basta dar vontade e eu estou aqui.
- Vou indo, até manhã.
- Eu te acompanho.
Caminhamos pela praia falando de muitas coisas, ela tinha muitas histórias para contar, e eu não me cansava de admirar sua beleza.
Voltei no dia seguinte e no seguinte e no seguinte e no seguinte...
Ficamos amigas e o fato de as pessoas não me cumprimentarem na praia já não incomodava mais.
Certo dia fizemos um caminho diferente para ir para minha casa, e ao passarmos pela vitrine de uma loja vi somente o meu reflexo no vidro. Parei atônita, ela seguiu até dar por minha falta ao seu lado.
- Algum problema?
- Não eu, eu, só parei pra ver esse vestido branco na vitrine, entrei e o comprei para disfarçar.
Continuei andando com medo de ter me tornado amiga de uma morta.
Entrei em casa correndo minha mãe dormia no sofá abraçando uma foto da família, acho que ela sente falta da minha irmã que está estudando em outra cidade, balancei-a, sacudi-a e ela não acordou.
Corri pra o meu quarto e pensei em muitas coisas - será que ela morreu? Será que é um fantasma? O que eu vou fazer agora? É a minha única amiga - e cheguei à conclusão que o mais correto era perguntar.
No dia seguinte fui à praia e o céu estava completamente nublado, não dava pra ver o sol. Esperei embaixo de chuva e ela não apareceu, pensei que talvez soubesse que eu sabia sobre ela e então ficou com medo, fui embora.
Não voltei à praia durante toda a semana, mas sentia falta de ter uma amiga para conversar. Finalmente chegou a sexta-feira e então decidi ir à praia, ela estava na pedra me esperando, sentei ao seu lado para ver o pôr-do-sol. E antes que eu perguntasse qualquer coisa, toquei no seu braço para ter certeza de que ela era de carne e osso, ela era. E estava sempre tão quente, não podia estar morta, me enchi de coragem e perguntei, a resposta foi a mais inesperada possível.
- Sempre me mantive longe de todo mundo, sempre fui de poucos amigos, o tempo foi passando e eu encontrava resposta para tudo na natureza, no sol e principalmente nessa praia, me afastei tanto de todo mundo que acabei ficando invisível. Fiquei sozinha durante anos até perceber que você podia me ver, só você. Talvez seja como eu.
Não sabia o que dizer pra ela, porque tampouco tinha compreendido alguma coisa.
Voltei para casa sozinha aquela noite e a minha mãe novamente dormindo no sofá, agora abraçava apenas a minha foto. Chamei-a pelo nome, ela não respondeu. Pensei comigo mesma- ah mãe! Você trabalha demais, anda muito cansada. Dei-lhe um beijo, ela sorriu e deixou a foto cair no chão, a coloquei de volta entre seus braços e me retirei.
Em meu quarto passei a noite pensando no que a moça da praia me disse, e me dei conta que mesmo depois de tantas tardes maravilhosas, brincadeiras e conversas, eu não sabia seu nome.
Pensei também naquelas pessoas da praia que nunca me cumprimentaram, pensei nos colegas da faculdade que não me davam mais bom dia e finalmente pensei na minha mãe, eu saia tão cedo de casa e voltava tão tarde, parecia ter uma eternidade sem falar com ela.
Olhei as minhas mãos e toquei o meu rosto, eu estava viva e quente.
Tirei aquele maravilhoso vestido branco do armário, soltei o cabelo quase tão longo e encaracolado quanto o dela, passei um batom vermelho que apesar de lindo empalideceu todo o meu rosto.
Fui para a praia caminhei madrugada a dentro, a lua novamente cheia enchia de brilho o meu vestido, eu me sentia flutuando na areia.
Passei frente a um “night club” onde sempre rolava festas e havia muitas pessoas na entrada, mas ninguém me notou. Havia uma criança que dormia no ombro do pai, parecia muito cansada, provavelmente brincou na praia por muito tempo, mas ela ainda conseguiu abrir os olhos, virar o rostinho e sorri para mim antes de adormecer completamente.
Voltei para casa tendo quase certeza de que eu também tinha ficado invisível, não encontrei mais a moça da praia, continuei saboreando o pôr-do-sol todas as sextas-feiras como de costume, mas nunca tive coragem de me olhar novamente no espelho.

domingo, 22 de agosto de 2010

A bailarina


Para quem dança a vida é sempre tão doce e leve, há sempre uma música que a leve a qualquer canto do mundo.
A bailarina graciosa e dedicada, dança noite, dias e madrugadas, ela vive para dançar.
Seus pés, delicados e dedicados quando sobem no palco encantam a toda gente e quem a vê linda e sorridente não imagina que a pequena por dentro chora, triste e solitária.
Sua beleza é teimosa, não foi embora junto com seu sorriso e quem antes satisfeita sorria, agora chora sem vontade de dançar.
Quando menina a dança lhe bastava, dançava e pairava ao som dos aplausos, nasceu e cresceu na dança, ao som de Les adieux era a estrela do teatro principal.
A dança sempre lhe inspirou a ver tudo de uma forma mais linda, mais suave e mais particular. Agora algo mudou, a dança perdeu para ela um pouco do seu brilho, a dança entristeceu.
A bailarina decepcionada começou a pensar em novas formas de mostrar ao mundo o seu brilho e o seu talento.
Pôs-se a estudar piano e em breve espaço de tempo aprendeu a tocar as mais doces sonatas que existem.
O teatro principal ficou mais triste sem as suas apresentações, mas a vizinhança no entanto se alegrava com seu canto, sua melodia e sua magia.
A Bailarina ficou conhecida por toda a cidade como a menina dos dedos de anjo, ela tocava por todo o dia, mas quando chegava as 17:45 impreterivelmente tocava sua canção favorita, não era Mozart, nem Chopin tampouco Tchaickovsky, era uma canção simples e pouco conhecida de um amigo da família, pianista de mão cheia, não era conhecido nem famoso, mas compunha deliciosas sonatas e maravilhosas canções.
Quando ela completou sua décima quinta primavera ele lhe presenteou com essa canção chamada “A bailarina solitária”.
Não havia letra mas a melodia era tão linda que emocionava até o mais insensível apreciador de qualquer arte que seja.
Todos os dias por volta das 17:45, quando o sol começava a se esconder ela a tocava em seu piano com uma doçura tão inebriante que toda a rua parava para escutá-la, por toda a extensão do bairro até onde o som alcançava, todos paravam para ouvi-la.
A cada dia que passava ela aprendia uma nova canção e tocava, tocava, tocava.
Até que um dia se deu conta de que enquanto tocava seus pés se mantinham em uma posição Aplomb sempre em ponta, estavam prontos para rodopiar o seu corpo a qualquer sinal positivo.
Neste mesmo dia quando o sol começou a se por, ela tocou a sua canção e a gravou para ouvi-la posteriormente.
Colocou a canção para tocar, seus pés de pronto se alinharam como se ela própria não controlasse o seu corpo, alinhou-o, deu o primeiro giro e dançou, dançou como nunca dançou antes. Deu voltas, piruetas, arriére e avant, rodopiou pela sala inteira, cada canto tinha um pouco do seu perfume. Repetiu a música diversas vezes e dançou até adormecer.
Acordou no dia seguinte um pouco cansada, mas extremamente feliz.
Estava tão linda, seus cachos pareciam mais cacheados e seu sorriso ainda mais lindo. Vestiu sua roupa mais deslumbrante e pôs-se a tocar. Ela ria dos seus próprios pés que não se aquietavam em baixo do piano.
Recebeu um convite para novamente dançar no teatro principal e ficou muito feliz.
Quando subiu ao palco todos levantaram para aplaudi-la, a música começou mas depois do primeiro giro seus pés pareciam pesados demais para rodopiar leve e graciosamente.
Na platéia após o fim do espetáculo todos a aplaudiram de pé. Ela agradeceu, a cortina baixou e ela olhou-se no espelho, viu-se vestida de solidão, fantasiada com um véu de alegria e ornada com um maravilhoso sorriso que o ofício de bailarina lhe exigia.
A música começou a tocar, outra bailarina ia dançar. Ela se deu conta que o problema não era o teatro, nem as pessoas, nem os seus pés. Era a música.
Voltou para casa e tocou como louca, todas as canções que conhecia e seus pés ali prontos para dançar. As vezes tinha a impressão de ouvi-los dizer:
 Vamos levante, rodopie, preciso dançar!
Mas ela sabia que era só impressão. Tocou todas as músicas que conhecia e quando não tinha mais o que tocar repetiu todo o seu repertório e quando novamente o esgotou seus dedos não aguentavam mais, então chorou, chorou até dormir.
Sonhou que dançava num salão muito charmoso, ao som de um piano. Alguém tocava para ela divinamente, como se fora ela própria a tocar e ela se sentia muito feliz.
Ao acordar compreendeu que se sentia só. Nem as suas belas flores, suas canções, seus espectadores e toda aquela adoração que lhe devotavam eram capazes de afastar essa solidão e essa angústia que ela sentia.
Olhou para o seu piano, para as suas sapatilhas e a sua bela roupa de balé estendida sobre a cama e com uma lágrima teimando em rolar face abaixo, se olhou no espelho e pensou:
-Não vou mais enganar ninguém, não posso sorrir enquanto danço se a minha vontade é somente chorar, vou preencher a minha vida de música ainda que não haja ninguém para dançá-la.
Pendurou as suas belas sapatilhas no armário, o trancou e colocou a chave dentro de um vasinho onde plantou uma margarida.
Se dirigiu ao piano e começou com uma linda nota de sol, prosseguiu cantando a “Canção da bailarina solitária”, enquanto toda a avenida parava para lhe ouvir.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Sonhando acordada

Vivo sonhando acordada
Penso em tudo
Penso em nada
Sonho para não dormir

Sonho com os seus belos olhos
Com seu sorriso e com seu cabelo
Me embriago com seu cheiro
Que permanece em mim

Respiro suas fantasias
Mergulho intensamente
Nesse corpo que é tão meu

Depois de intensos segundos
Fecho os olhos e durmo
E meu sonho ainda é você...