Hoje
eu acordei e continuei sonhando. Sonhei com um lugar muito bom, um lugar onde
eu queria desesperadamente estar. As pessoas na rua não me cumprimentavam nem
me incomodavam. Ninguém sabia meu nome, nem tinha palpites certeiros sobre o
meu futuro.
As
ruas eram limpas e organizadas, os celulares não gritavam em demasia de decibéis
obscenidades ou promessas de vida eterna. As pessoas não se esbarravam em mim e
até pareciam amáveis.
Pessoas
que eu amo não me acordavam todos os dias com perguntas inúteis, não me
acordavam às 8 h da manhã todos os dias nas férias. Não mexiam na minha argila recém-moldada
e não me falavam da obrigatoriedade de comer. As minhas roupas estavam sempre onde
eu deixava, os meus livros também.
Lá
eu também não tinha casa, mas isso não me importava, pois eu dormiria em
qualquer raiz de árvore ou qualquer colo de estátua, contemplando a maravilha
do céu. Eu acordaria pela manhã e alongaria meu corpo, sem a mortificante sensação
de que estou perdendo um tempo precioso. Sentaria em algum canteiro de flores e
mesclaria a minha beleza com a delas e a melhor parte é que não haveria olhares
e juízos para nós.
O
melhor do lugar eram com certeza as pessoas. Cada um se preocupava com as suas
próprias mediocridades e não incomodavam ninguém. Por favor e obrigado eram
palavras obrigatórias e sinceras, mas nada de sorrisos e olhares forçados.
Cada
pessoa fazia a coisa que lhe cabia e estavam sempre ocupadas demais para dizer bobagens
proféticas e dar conselhos inúteis.
Eu
não precisava me preocupar com o dinheiro que sempre atrasa, nem os julgamentos
sobre o meu corpo magro, meu cabelo não incomodava ninguém, andar descalço não
era crime, ninguém se importava com a minha condição de bruxa, ninguém incomodava
a minha meditação, eu não pensava em me matar a cada hora, não havia coranças
sobre os prazos que eu não cumpri, só havia silêncio e uma brisa suave e quase
sempre o sol era ameno e de matiz branda.
Não
era um lugar impossível, sem inícios e fins, mas era um lugar menos humano com
certeza. As pessoas controlavam seus vícios e mazelas para não incomodar ninguém,
elas se amavam ao ponto de se privarem de algumas coisas para não incomodar os
outros, pois gostariam que os mesmo fosse feito por elas. O silêncio era um mantra
amado por todos que em horas oportunas e lugares específicos era interrompido
docemente pelo vagar de ondas ou som de pássaros.
Sim,
havia som de carros, mas estes eram metódicos e organizados, não chegavam a ser
o inferno de ninguém. As pessoas tinham bom senso e boa vontade, mais uma vez a
tal da empatia estava por trás disto.
Lá
eu escrevia, como e quando tinha vontade. Eu voava em tecidos, estacionava em
topos de árvores e em dias de sorte eu tinha as minhas próprias asas.
Os
meus cristais estavam sempre espalhados por todos os cantos, mas nunca distantes
o suficiente das minhas velas, ervas e orações.
O
amor era abundante, mas quando estava longe eu não sofria em demasia ou fantasiava
fugas desnecessárias para terras distantes. Ali era tão lindo que eu não tinha
vontade de partir por muitos dias.
Eu
falei muito das pessoas porque elas eram maravilhosamente diferentes de agora,
mas o lugar também tinha muitos encantos. Não há necessidade de detalhamento,
pois, o sol era igualmente lindo, o verde era igualmente necessário, porém mais
livre. O que de fato era diferente daqui era que o ar era mais puro, as cores
tinham um poder de cura maravilhoso e o céu era desesperadoramente belo.