terça-feira, 14 de julho de 2015

Crônica do cotidiano (in)verso

Hoje eu acordei e continuei sonhando. Sonhei com um lugar muito bom, um lugar onde eu queria desesperadamente estar. As pessoas na rua não me cumprimentavam nem me incomodavam. Ninguém sabia meu nome, nem tinha palpites certeiros sobre o meu futuro.
As ruas eram limpas e organizadas, os celulares não gritavam em demasia de decibéis obscenidades ou promessas de vida eterna. As pessoas não se esbarravam em mim e até pareciam amáveis.
Pessoas que eu amo não me acordavam todos os dias com perguntas inúteis, não me acordavam às 8 h da manhã todos os dias nas férias. Não mexiam na minha argila recém-moldada e não me falavam da obrigatoriedade de comer. As minhas roupas estavam sempre onde eu deixava, os meus livros também.
Lá eu também não tinha casa, mas isso não me importava, pois eu dormiria em qualquer raiz de árvore ou qualquer colo de estátua, contemplando a maravilha do céu. Eu acordaria pela manhã e alongaria meu corpo, sem a mortificante sensação de que estou perdendo um tempo precioso. Sentaria em algum canteiro de flores e mesclaria a minha beleza com a delas e a melhor parte é que não haveria olhares e juízos para nós.
O melhor do lugar eram com certeza as pessoas. Cada um se preocupava com as suas próprias mediocridades e não incomodavam ninguém. Por favor e obrigado eram palavras obrigatórias e sinceras, mas nada de sorrisos e olhares forçados.
Cada pessoa fazia a coisa que lhe cabia e estavam sempre ocupadas demais para dizer bobagens proféticas e dar conselhos inúteis.
Eu não precisava me preocupar com o dinheiro que sempre atrasa, nem os julgamentos sobre o meu corpo magro, meu cabelo não incomodava ninguém, andar descalço não era crime, ninguém se importava com a minha condição de bruxa, ninguém incomodava a minha meditação, eu não pensava em me matar a cada hora, não havia coranças sobre os prazos que eu não cumpri, só havia silêncio e uma brisa suave e quase sempre o sol era ameno e de matiz branda.
Não era um lugar impossível, sem inícios e fins, mas era um lugar menos humano com certeza. As pessoas controlavam seus vícios e mazelas para não incomodar ninguém, elas se amavam ao ponto de se privarem de algumas coisas para não incomodar os outros, pois gostariam que os mesmo fosse feito por elas. O silêncio era um mantra amado por todos que em horas oportunas e lugares específicos era interrompido docemente pelo vagar de ondas ou som de pássaros.
Sim, havia som de carros, mas estes eram metódicos e organizados, não chegavam a ser o inferno de ninguém. As pessoas tinham bom senso e boa vontade, mais uma vez a tal da empatia estava por trás disto.
Lá eu escrevia, como e quando tinha vontade. Eu voava em tecidos, estacionava em topos de árvores e em dias de sorte eu tinha as minhas próprias asas.
Os meus cristais estavam sempre espalhados por todos os cantos, mas nunca distantes o suficiente das minhas velas, ervas e orações.
O amor era abundante, mas quando estava longe eu não sofria em demasia ou fantasiava fugas desnecessárias para terras distantes. Ali era tão lindo que eu não tinha vontade de partir por muitos dias.
Eu falei muito das pessoas porque elas eram maravilhosamente diferentes de agora, mas o lugar também tinha muitos encantos. Não há necessidade de detalhamento, pois, o sol era igualmente lindo, o verde era igualmente necessário, porém mais livre. O que de fato era diferente daqui era que o ar era mais puro, as cores tinham um poder de cura maravilhoso e o céu era desesperadoramente belo.

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