sábado, 16 de junho de 2012

A vida despenteia


Precisaria mil fitas para enfeitar
Para segurar cachos e juízo no lugar
As brisas não precisam de convites
Entram por todas as brechas e ocos
Causam o mais doce e suave alvoroço
E também não aceitam ordens

Os ventos das folias e afagos
Produzindo assovios bobos
Parecendo samba de pouca nota
Desarrumando o penteado novo

O abraço desarruma
O amasso desarruma
O beijo, o leito, o coito
O caminhar desarruma
O pular desarruma
E despenteada vou,
Feliz.

domingo, 3 de junho de 2012

Corpos no mar


Doía, de fora para dentro doía. Uma dor estranha e aparentemente sem origem definida, mas doía. Com o braço jogado para fora da cama, vasculhei a bagunça do chão e encontrei o roupão de cetim, o vesti, sai.
Da pequena varanda de vista para o mar eu mergulhei, era gelado e revolto, eu lesa e dolorida, deixava as ondas me jogarem contra as pedras limosas do meu próprio medo, e num arremesso mais forte, despertei e contemplei o mar, calmo e povoado de pequenas embarcações, apenas levemente acariciado pela brisa, de repente as vi. Eram muitas pessoas, pessoas não, eram corpos, corpos vivos e sem rostos, que se agarravam as bordas dos pequenos barcos para não afundar naquele mar calmo e seguro. Eu me vi ali, no meio daqueles corpos, o corpo frágil e belo em conflito, consigo e com o mundo. Veio a chuva misturando-se às minhas lágrimas, e a dor ainda doía. Eu também, aqui em sólido chão, tentava me segurar a algo, como aqueles corpos nus e sem rostos no mar, para não me afogar na falsa calmaria. Mas já nem sei do que falo e nem ao certo o que vi, mas sei bem o que ouvi. Era a brisa chegando e essa dor queimando, como lampião de querosene gasto. Fechei os olhos, tirei o roupão, deixei-me abraçar pelo sereno malicioso, cheio de dedos e sussurros, que tem o dom de afastar a dor. O mar calmo escondera seus corpos, salvos ou engolidos? E o sereno ainda me abraçava, envolveu delicadamente o roupão ao meu corpo adormecido e com a ponta do mesmo, enxugou uma já seca lágrima, com braços sutis carregou-me até a cama, praguejando e ordenando ao mar que não mais me mostrasse seus corpos. Prevendo uma dor somente acuada, beijou-me.