domingo, 22 de agosto de 2010

A bailarina


Para quem dança a vida é sempre tão doce e leve, há sempre uma música que a leve a qualquer canto do mundo.
A bailarina graciosa e dedicada, dança noite, dias e madrugadas, ela vive para dançar.
Seus pés, delicados e dedicados quando sobem no palco encantam a toda gente e quem a vê linda e sorridente não imagina que a pequena por dentro chora, triste e solitária.
Sua beleza é teimosa, não foi embora junto com seu sorriso e quem antes satisfeita sorria, agora chora sem vontade de dançar.
Quando menina a dança lhe bastava, dançava e pairava ao som dos aplausos, nasceu e cresceu na dança, ao som de Les adieux era a estrela do teatro principal.
A dança sempre lhe inspirou a ver tudo de uma forma mais linda, mais suave e mais particular. Agora algo mudou, a dança perdeu para ela um pouco do seu brilho, a dança entristeceu.
A bailarina decepcionada começou a pensar em novas formas de mostrar ao mundo o seu brilho e o seu talento.
Pôs-se a estudar piano e em breve espaço de tempo aprendeu a tocar as mais doces sonatas que existem.
O teatro principal ficou mais triste sem as suas apresentações, mas a vizinhança no entanto se alegrava com seu canto, sua melodia e sua magia.
A Bailarina ficou conhecida por toda a cidade como a menina dos dedos de anjo, ela tocava por todo o dia, mas quando chegava as 17:45 impreterivelmente tocava sua canção favorita, não era Mozart, nem Chopin tampouco Tchaickovsky, era uma canção simples e pouco conhecida de um amigo da família, pianista de mão cheia, não era conhecido nem famoso, mas compunha deliciosas sonatas e maravilhosas canções.
Quando ela completou sua décima quinta primavera ele lhe presenteou com essa canção chamada “A bailarina solitária”.
Não havia letra mas a melodia era tão linda que emocionava até o mais insensível apreciador de qualquer arte que seja.
Todos os dias por volta das 17:45, quando o sol começava a se esconder ela a tocava em seu piano com uma doçura tão inebriante que toda a rua parava para escutá-la, por toda a extensão do bairro até onde o som alcançava, todos paravam para ouvi-la.
A cada dia que passava ela aprendia uma nova canção e tocava, tocava, tocava.
Até que um dia se deu conta de que enquanto tocava seus pés se mantinham em uma posição Aplomb sempre em ponta, estavam prontos para rodopiar o seu corpo a qualquer sinal positivo.
Neste mesmo dia quando o sol começou a se por, ela tocou a sua canção e a gravou para ouvi-la posteriormente.
Colocou a canção para tocar, seus pés de pronto se alinharam como se ela própria não controlasse o seu corpo, alinhou-o, deu o primeiro giro e dançou, dançou como nunca dançou antes. Deu voltas, piruetas, arriére e avant, rodopiou pela sala inteira, cada canto tinha um pouco do seu perfume. Repetiu a música diversas vezes e dançou até adormecer.
Acordou no dia seguinte um pouco cansada, mas extremamente feliz.
Estava tão linda, seus cachos pareciam mais cacheados e seu sorriso ainda mais lindo. Vestiu sua roupa mais deslumbrante e pôs-se a tocar. Ela ria dos seus próprios pés que não se aquietavam em baixo do piano.
Recebeu um convite para novamente dançar no teatro principal e ficou muito feliz.
Quando subiu ao palco todos levantaram para aplaudi-la, a música começou mas depois do primeiro giro seus pés pareciam pesados demais para rodopiar leve e graciosamente.
Na platéia após o fim do espetáculo todos a aplaudiram de pé. Ela agradeceu, a cortina baixou e ela olhou-se no espelho, viu-se vestida de solidão, fantasiada com um véu de alegria e ornada com um maravilhoso sorriso que o ofício de bailarina lhe exigia.
A música começou a tocar, outra bailarina ia dançar. Ela se deu conta que o problema não era o teatro, nem as pessoas, nem os seus pés. Era a música.
Voltou para casa e tocou como louca, todas as canções que conhecia e seus pés ali prontos para dançar. As vezes tinha a impressão de ouvi-los dizer:
 Vamos levante, rodopie, preciso dançar!
Mas ela sabia que era só impressão. Tocou todas as músicas que conhecia e quando não tinha mais o que tocar repetiu todo o seu repertório e quando novamente o esgotou seus dedos não aguentavam mais, então chorou, chorou até dormir.
Sonhou que dançava num salão muito charmoso, ao som de um piano. Alguém tocava para ela divinamente, como se fora ela própria a tocar e ela se sentia muito feliz.
Ao acordar compreendeu que se sentia só. Nem as suas belas flores, suas canções, seus espectadores e toda aquela adoração que lhe devotavam eram capazes de afastar essa solidão e essa angústia que ela sentia.
Olhou para o seu piano, para as suas sapatilhas e a sua bela roupa de balé estendida sobre a cama e com uma lágrima teimando em rolar face abaixo, se olhou no espelho e pensou:
-Não vou mais enganar ninguém, não posso sorrir enquanto danço se a minha vontade é somente chorar, vou preencher a minha vida de música ainda que não haja ninguém para dançá-la.
Pendurou as suas belas sapatilhas no armário, o trancou e colocou a chave dentro de um vasinho onde plantou uma margarida.
Se dirigiu ao piano e começou com uma linda nota de sol, prosseguiu cantando a “Canção da bailarina solitária”, enquanto toda a avenida parava para lhe ouvir.

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